Cansei de reunir meus cinco gatos, em palestra, para explicar que os vizinhos não gostam de barulho. Desenhei gráficos, fiz tabelas, expliquei tudo enfim. Eles sem entender bem pareciam obedecer – então, a ordem era sem gataria depois das 10h. Menos um, que insistia.
Ele e eu costumávamos sentar na escada pela manhã para discutir as implicações filosóficas do ser gato; enquanto tomavamos sol. Ele geralmente citava o Mago de Miguel Torga como exemplo de gato que deixou de ser gato, ele me confessou uma vez que não aguentaria aquela angústia. Sim, ele era versado em literatura. Eu tentava alertá-lo, dizia que os vizinhos não gostavam de barulho. Argumentava que eles iam à missa das 7h da manhã por ser mais silenciosa, não gostavam do som alto da banda da missa das 16h. E depois de muito discutir, ele me pedia carinho na barriga e um pouco de comida... Para depois dormir, já que a gataria continuava.
Mas ontem o encontrei morto no pé da escada da casa do lado. Parecia que tinha caído da laje. Pulei o muro feito um gatuno, pois os vizinhos não gostam de barulho. Peguei seu corpo ainda quente em silêncio, porque os vizinhos não gostam de barulho. Os outros gatos me cochicharam que os vizinhos que não gostam de barulho envenenaram o leite. Voltei para minha casa, chorei baixinho, sem barulho, não queria acordar nenhum vizinho.
No outro dia, enquanto velava, às 7h da manhã, reuni meus quatro gatos – em palestra – para explicar que os vizinhos tinham que dormir tranquilamente para ir a missa cedinho; por isso, não gostam de barulho.