sexta-feira, 15 de julho de 2011

Os Vizinhos não Gostam de Barulho

Cansei de reunir meus cinco gatos, em palestra, para explicar que os vizinhos não gostam de barulho. Desenhei gráficos, fiz tabelas, expliquei tudo enfim. Eles sem entender bem pareciam obedecer – então, a ordem era sem gataria depois das 10h. Menos um, que insistia.

Ele e eu costumávamos sentar na escada pela manhã para discutir as implicações filosóficas do ser gato; enquanto tomavamos sol. Ele geralmente citava o Mago de Miguel Torga como exemplo de gato que deixou de ser gato, ele me confessou uma vez que não aguentaria aquela angústia. Sim, ele era versado em literatura. Eu tentava alertá-lo, dizia que os vizinhos não gostavam de barulho. Argumentava que eles iam à missa das 7h da manhã por ser mais silenciosa, não gostavam do som alto da banda da missa das 16h. E depois de muito discutir, ele me pedia carinho na barriga e um pouco de comida... Para depois dormir, já que a gataria continuava.

Mas ontem o encontrei morto no pé da escada da casa do lado. Parecia que tinha caído da laje. Pulei o muro feito um gatuno, pois os vizinhos não gostam de barulho. Peguei seu corpo ainda quente em silêncio, porque os vizinhos não gostam de barulho. Os outros gatos me cochicharam que os vizinhos que não gostam de barulho envenenaram o leite. Voltei para minha casa, chorei baixinho, sem barulho, não queria acordar nenhum vizinho.

No outro dia, enquanto velava, às 7h da manhã, reuni meus quatro gatos – em palestra – para explicar que os vizinhos tinham que dormir tranquilamente para ir a missa cedinho; por isso, não gostam de barulho.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Meu Labirinto


Ao longo das minhas tarefas diárias, de alguns anos já, o livro do Rubem Braga esteve ao lado, na estante, sempre à mão. Às vezes coberto por um pano, meu gato tem o péssimo hábito de se deitar sobre as 200 Crônicas Escolhidas; e eventualmente sujá-las todas. Tantas outras vezes; ele permaneceu aberto na escrivaninha por causa de uma leitura interrompida de modo que pudesse retomar noutra instante.

A verdade é que até hoje não li o livro inteiro. Não sigo o índice cronológico proposto. Deste o começo, minha leitura se fez fragmentada, montando combinações diversas, tomando caminhos inusitados. Assim, resultou que, para o bem ou para o mal, perdi-me nesse labirinto agradável. Digo agradável porque, ao contrário de um labirinto normal em que só se pensa na saída; neste, eu fico um pouco mais, sento num canto qualquer para escutar as boas histórias do Braga e reluto para sair.

Enquanto o Velho Narrador lembra sua Cachoeiro do Itapemirim, sua infância, seus amigos e amores; minha leitura se baseia no esquecimento. Leio, leio e leio, passa o tempo e esqueço. Geralmente, conheço o enredo, consigo redesenhar as cenas; esqueço de fato a forma delicada de descrever certas situações. Pego meu exemplar e relembro, com a sensação de que é melhor do que eu imaginava.

Mas uma crônica me escapa. Ela é meu graal, minha procura eterna, meu caderninho azul (porque não sei se quero encontrá-la). Li apenas duas vezes há anos atrás, deste de então, busco-lhe aflitamente. Passo pelo índice e se qualquer palavra relampeja na memória, corro ávido para as paginas; então, descubro que não era aquela crônica. Não se trata da moça, em minha mente, falando com o rapaz na ponte; na verdade, vejo uma borboleta amarela, o Bebu na hora neutra; um casal de amigos; a gatinha Biribuva (talvez por ela que meu gato deite sobre o livro); a viajante... Enfim, o labirinto se amplia e a vontade de ficar também.


P.s. Texto escrito no dia 18/02/2011

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Um Novo Projeto

Depois de quase um ano, a sensação sufocante de ter que escrever voltou. Eu, que quase apaguei este blog, decidi retomá-lo por questões práticas, pois acho que o exercício de mostrar meus textos é importante, ainda mais agora que decidi não participar de concursos literários tão cedo. Como sempre, percebi que preciso de mais tempo para amadurecer, entrementes (entrementes? Bonito não?!) divulgo aqui algumas idéias...

De modo algum isso significaria que parei de escrever minhas coisas, pelo contrário, embora nunca o tenha abandonado de todo, pretendo retomar também meu diário pessoal em que escrevo, escrevo, escrevo e nunca lerei. O que tem ligação indireta com o novo subtítulo deste blog.

Entorpecido pelo romance “O Livro do Riso e do Esquecimento” de Milan Kundera, refleti por um tempo algo bem óbvio a princípio: o homem escreve basicamente para sobreviver ao tempo, em outras palavras, por medo da morte, para ser lembrado.

Com efeito, muitos têm sucesso nessa árdua luta; porém, a maioria não tem. E infelizmente, faço parte dessa maioria. Não tenho o poder de lembrar. Por muitos anos, achei que deveria conquistar esse poder, entrar para esse grupo seleto, ser eterno; por isso, não escrevia. Esperava ascender ao topo para de lá, minha voz alcançar mais longe.

Alguma coisa mudou de lá para cá, tenho 24 anos e a morte não sai de minha cabeça, ela acompanha meu pensamento ao abrir e ao fechar os olhos. Passei a temer a morte. Passei a escrever desesperadamente para me esquecer desse medo, para não me lembrar da solidão, do frio e da boca seca quando se morre.

Prefiro beber qualquer coisa e assim calar minha voz porque tenho sede... Infinita.

Este blog, então, é uma pequena parcela de um grande projeto. Daqui para frente, vou me esquecer nos textos, aqui e ali. Para quem sabe um dia, os homens poderosos se lembrem de mim com uma distinta inveja do meu esquecimento.

Obrigado pela leitura,

Rafael Ireno